"Essas crianças inventam cada uma..." - pensava ela enquanto ligava para a mãe do João para entender melhor a história.
- Alô.
- A mãe do João está?
- É ela... quem é?
- É a Tia Ana, da escola...
- Aconteceu alguma coisa? - perguntou a mãe, preocupada.
- Não, é só pra tirar uma dúvida.
- Ufa!, Ainda bem! - respirou alivada - afinal, ligar para a mãe nem sempre significa problema, mas nunca se sabe, não é mesmo?
- É que o João contou uma história de mosquinha bebendo água de canudinho quando ficou doente e eu precisava entender...
A tia foi falando e a mãe começou a rir; depois, explicou:
- Quando o João pegou virose, no verão passado, precisou tomar soro com o remédio, já que não parava de ter ânsias de vômito. Para ele não ficar com medo, expliquei que precisava tomar "água" pelo braço e que iam precisar colocar uma "mosquinha" na mão. Dessa forma, ele ficou sabendo o que ia acontecer e não ficou nervoso - claro que doeu, mas ele só fez uma careta e depois ficou tranqüilo.
- Ah! - exclamou a tia, agora entendendo o contexto da mosca. - E de injeção, ele tem medo?
- Não: desde pequeno que a gente fala que injeção é pra não ficar doente e que se ele precisar tomar por um motivo ou outro, é só ficar calmo que dói menos.
Por quê? - quis saber a mãe, que estava mais do que curiosa com as perguntas.
A tia explicou sobre a discussão que as crianças estavam tendo sobre o assunto e depois ainda emendou:
- Parece que os amigos o estavam chamando de mentiroso e ele estava ficando muito bravo!
- Ele realmente não gosta quando duvidam dele - mas, já expliquei que, às vezes, quando a história fica muito grande, pode ser que ele esteja enfeitando, e aí nem sempre os outros entendem o que é verdade e o que é "enfeite". Ele parecia estar inventando?
- Não, só a parte que se ficar calmo não dói e que você diz que se chorar tudo bem.
- Ora, mas ele não estava fantasiando não: eu falo isso mesmo. Afinal, se eu posso chorar de raiva de vez em quando ou de dor, por que ele não poderia?
Por que é menino? Não faz sentido. Pelo menos, não na minha cabeça e na de um monte de psicólogos pelo mundo afora. É apenas uma questão de explicar quando o choro é necessário. Afinal, ficar chorando à toa realmente não é necessário, não é mesmo?
- Então tá, mãe. Se o pessoalzinho ainda estiver encrencando por causa dessa história, será que você conversaria com o João?
- Conversar o quê? - estranhou a mãe.
- Que nem sempre as pessoas gostam de ouvir que as coisas são mais simples se a gente não tiver medo.
- Como é que é? - a mãe estava entendendo cada vez menos onde a tia queria chegar. - Dá pra explicar melhor?
- Toda criança tem medo de uma coisa ou outra e o João parece ser muito bem resolvido nesse aspecto. Só que - a tia fez uma pausa, como que criando coragem - nem todo mundo consegue se resolver dessa maneira.
- Nem as crianças, nem alguns adultos, né, tia Ana? Desculpe se meu filho já resolveu a questão do medo. Não foi por querer: ele simplesmente entendeu que ter medo é importante, só que não pode deixar de fazer as coisas que precisa por causa do medo. Principalmente tomar vacina e remédio, ora bolas!
- Ora, mãe, não entenda mal: é apenas uma questão de nivelamento. Desse jeito, o João vai ser sempre diferente das outras crianças.
- E qual o problema em ser diferente?
- As crianças têm medo do que é diferente.
- Pelo visto, tia, não são só as crianças, não é mesmo?
A mãe do João estava começando a ficar irritada. Como é que uma tia de escola vinha com esse papo de diferença ser prejudicial? Será que teria que mudar de escola, de novo? Afinal, se uma escola fica colocando rótulos nas crianças, o que ela poderia ensinar de construtivo?
- Olha, mãe, vamos fazer o seguinte: eu converso com as crianças e explico que o João realmente não tem medo de vacina nem médico porque a mãe dele ensinou para ele desde pequeno. E que cada mãe tem um jeito diferente de ensinar as coisas.
- Melhorou o discurso, mas, e sobre os medos?
- Os medinhos ou os medões?
- Todos eles.
- Isso daí eu deixo pra senhora explicar, quando vier aqui.
- E eu vou aí?
- Sim, na próxima reunião dos pais. Assim, quando as crianças falarem com os pais sobre seus medos, talvez eles realmente pensem um pouco sobre o assunto se um outro pai estiver falando.
- Hum. Não sei se vai dar certo não... como a tia mesmo disse, sem medos, as coisas são mais
simples, e aí, já pensou se todo mundo ficasse feliz, que tédio o mundo ia ser?
- Ora, mãe!
- Deixa isso pra lá, tia, eles mesmos vão resolver esse assunto, de um jeito ou de outro.
- Tá bom, mas, tem certeza de que não quer conversar com os outros pais?
- Tenho. Não quero que o João seja diferente, mas também não quero que seja igual a todo mundo, por que todo mundo já é diferente, é só uma questão dos grandes aceitarem isso de forma mais natural, que as crianças vão atrás.
- Então tá, mãe. Obrigada pelo seu tempo, viu?
- Tchau, tia.
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